segunda-feira, 27 de julho de 2009

O dia em que se casaram




O som veio devagar e de repente um súbito se fez. O galo cantou e Giovanna saltou na cama: em pensamento: - Dio mio! assutou-se pensando ter perdido a hora. E se deu conta de que o dia vinha chegando, mais ainda não havia amanhecido. Devia ser por volta de cinco da manhã.

Com os olhos embebidos de emoção lembrou-se.... hoje é o dia que me caso com meu amado. Auguri, fortuna, felicità.... nisso pensava.
Os olhos de Gulgielmo tornaram-se nítidos em sua mente e não acreditava que ia ser 'sposata'.

Levantou-se, não podia estar mais na cama, queria ver o dia do seu casamento nascer e dirigiu-se para a varanda.
Em San Marino, fazia calor, como se parla em italiano 'è caldo!'
Tudo estava preparado, hoje mudaria-se para San Leo e deixaria sua família em San Marino - de alguma forma para sempre!

Na noite anterior lembrava-se dos conselhos da mãe sobre o que significa o casamento, a importância da primeira noite.... e tudo isso fragmentava-se, pois sua personalidade era forte demais para seguir conselhos, queria sim, beijar seu amado Guglielmo para sempre e sentir seu abraço e seu cheiro e nada mais. Nem família, nem conselhos, queria apenas viver seu amor. Desde o dia em que o havia descoberto.

Ouvia barulhos vindos da cozinha, devia ser o preparo da primeira refeição - prima colazione.

Estava descalça e logo os primeiros passantes iam se ver à rua.
Queria gritar.... de felicidade, felicitá, felicitá.... só isso sentia.
Precisava falar, envolver-se nos fatos da sua própria história.
Isso era um pouco da Giovanna: falante, tagarela, risonha, engraçada, espirituosa... Não fosse tamanha a seriedade de Guglielmo, para se apaixonar perdidamente pela sua Giovanna. E ela por tanto mistério, neste homem que em silêncio a conquistou deliberadamente.........

Por um instante ela se lembrou do primeiro dia que viu Guglielmo - como seu amado.

"Era Dezembro e toda a família Stacchini preparava-se para subir às torres. Hoje haveria missa na "prima terça" - primeira torre.
Giovanna arrumou-se em um vestido de gala, como não tinha uma data para usar, o natal era sempre uma oportunidade.
Seu pai haiva trazido os tecidos de uma viagem a Firenze. O pai de Giovanna era um comerciante de San Marino e entre os filhos tinha um apreço especial por Giovanna.
Talvez pela sua personalidade.
Talvez por sua felicidade gratuita.

Assim rumaram para a torre.
Toda a família Stacchini.
Além do exagerado vestido pérola, e dos cabelos em cachos, Giovanna usava meias brancas e sapatos novos também.
Forrou o assoalho da carroça e foi a primeira a sentar-se para ir a missa de natal.
Tinha 17 anos e ainda não pensava em namorar, sabia que isto existia, já tinha ido a casamentos e até visto algumas peripécias dos primos e primas.
Mas vivia em um mundo paralelo.
Ainda, nunca havia beijado sequer.
Apenas sabia do interesse do filho Conde por ser seu esposo.


A missa foi imensa.... Giovanna por alguns momentos pensou que o sermão não acabasse mais.
Afinal 'dopo' havia festa no patio de acesso ás torres.
San Marino era toda festa neste natal.
Bandeiras e uma farta mesa como toalhas brancas.
Um cheiro de Pantucci... e de manjericão,espalhava-se pela atmosfera.
Não era como os outros natais, havia algo de diferente, mas Giovanna não sabia explicar o que era.
Apenas que queria desfilar sua bela juventude de 17 anos......


Sua avó lhe disse ainda: Figlia mia, come tu´é bela!Giovanna sorriu sua exagerada distância entre os dois dentes da frente.
Um sorriso lindo de fazer covinhas, e disse a sua nona: te voglio tanto bene nona!
Emendando a nona retrucou: - Guglielmo ti chiederà in matrimonio (ele te pedirá em casamento)
!
Giovanna virou-se assustada em direção a sua nona......
Um olhar espantado - não que não soubesse da vontade de Guglielmo. Mas isso ainda era uma expectativa, não pensava em se casar. O filho do Conde era seu amigo e protetor que encontrava todos os sábados na feira e 'domenica' na missa.
Sua nona sorriu......
Entreabrindo os lábios quis dizer algo mais.
Mas o silêncio da avó e a cunplicidade feminina das velhas sábias, de imeditato amadureceram os pensamentos da bela Giovanna.

Ali, naquele instante, olhando a predição silenciosa de sua avó, Giovanna apreendeu que sim, que sua vida de fato estava ligada a alma de um Stacciarini.

Arrepiou-se.

Olhou para o nada e novamente para a avó, com olhos e lágrimas que começavam a nascer.
Não sabia se estava feliz, mas hesitou que ia se casar com um dos filhos do Conde Stacciarini, como já supunha que seu pai tanto queria.

Mas mais que isso, dentro de si, Giovanna assumiu a possibilidade do amor. Do que talvez fosse o amor.
Pensou ainda, sentindo o desfalecer das pernas, e uma pontada no peito. Sinos tocavam de verdade ou no seu imaginário. Um calor inexplicável fazia.
Fato que por vezes sequer pensamos. O amor tem razões que a própria razão desconhece.
Sim, será que estava apaixonada?
Isso era o amor?

Sua avó acenou, franzindo a testa e as sombracelhas....

Ela virou-se e seus olhos encontraram os olhos de Guglielmo, de chapéu , bigodes e barba tão bem feita, olhos profundamente azuis, cor de céu em dia de primavera: ficaram ali parados olhando um para o outro, por um tempo incalculável. Ela não conseguia dizer nada. Ele preferiu não dizer nada.

No silêncio da noite em San Marino.................
Giovanna inexplicavelmente acaba, assim, ali, por descobrir o amor.


Naquele olhar Gulglielmo também sentiu o destino do amor de Giovanna.

Sim! Estavam casados, ali..... naquele instante. Para sempre!

N o t a :
O amor assim, pode ser que realmente nasça, do desconhecido sentimento de convivência, de fortuitos encontros, para de fato ser algo diferente, inexplicável.
As famílias Stacciarini e Stacchini era vizinhas de cidades por 8 Km, isso no tempo remoto de 1865. É claro que Giovanna e Guglielmo se conheciam, encontraram-se por muitas vezes. E famílias também interferiam nessas relações. Hoje ainda pode acontecer. O fato é que em algum momento eles realmente se apaixonaram, especialmente ela, traduzida pelos fatos, em uma mulher muito corajosa. Mulheres assim só amam uma vez. E também fortuitamente, talvez seja essa a melhor explicação para se descobrir o amor... um dia esquecidos de tudo, ele naturalmente brota em nossas almas, no lapso delineado de algum olhar. Quando isso acontece, a dádiva maior do Universo conspira, escolhendo alguns poucos, em qualquer tempo, para a emoção do desejo mais cobiçado entre os homens: viver um grande amor. Ou melhor seria, viver o pessoal e intranferível grande amor.

Giovanna via Guglielmo todos os sábados na feira em San Marino, e aos domingos na missa da manhã. Guglielmo era mais sisudo, sério, e Giovanna uma menina sorridente e distraída. Ele sempre querendo protegê-la e galetendo-a para 'desposá-la'. Isso - a ingenuidade, ele mais apreciava na jovem moça. Ali naquele natal ainda eram só jovens... cheios de sonhos. Mas foi naquele olhar, também, que se traçou o futuro do amor dos dois jovens italianos... o tempo os levaria para longe da Itália.... ...Giovanna, ainda, sequer pensava que a beleza deste natal, em quando descobriu o eterno olhar apaixonado de Guglielmo, seria lembranda até o final da sua vida.... de frente às olarias do Bairro das Alagoas, em Minas Gerais, Brasil. Já com cabelos longos em tranças.... brancos.... o olhar triste no vazio das Alagoas, sentia o vento e a poeira amarela invadir sua alma, era somente a busca pelo mesmo olhar de seu amado nesta noite de natal em San Marino. Olhando os cortadores de tijolos, trêmulos ao longe, o calor - ali sozinha, voltou-se para sua Itália: Nunca havia esquecido San Marino.

Fotos da postagem:
1 - Entrada de San Marino (hoje)
2 - Caminho percorrido por Giovanna e Guglielmo neste natal e por tantas vezes
3 - Vista de San Marino - terra da famiglia Stacchini

Um comentário:

  1. Add no final do Blog Barra de Vídeos sobre San Leo, San Marino e Imigração italiana. Va bene, bacio il tutti. Cordiali Saluti.

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